domingo, 8 de abril de 2012

Tua cruz

Ainda está no meu peito aquela mácula
nódoa de sangue que não larga
dói pensar no umbigo
ligação mais profunda
tens o umbigo do mundo coincidindo com o teu
não te apavores
nasceste pra ser culpada
Judas, Madalena
e tua culpa é o que te faz pura
porque te cura do medo de ser idiota
quem te ver assim tão nova
não advinha o segredo que guardas no ventre.
Só as mães tem a força
a desventura
de nada temer ou tudo enfrentar.
Aquela ponte
que tu abandonou
aquele cais
onde o teu navio não balança mais
aquele regaço e aquele porto
desabitado
talvez ainda esteja lá
mas você não está.
O teu sol raiar.
Qdo?
Não preciso de ninguém que me oriente,
mas de quem me salve.
Quando tu me ligava altas horas
mesmo abstênico
minha noite tinha mais cor
minha lua brilhava.
Quanto tempo mais pra míngua dessa perpetua minguancia?
Uma vida será pouco?
Nosso crime tem perdão?
A minha solidão, incurável solidão
Quem dera eu ser convictamente cética
e não tão cheia de duvidas e ruídos
lembranças já não acalentam
o sossego, quando mais se quer mais se perde
tem jeito?!
defeito de fábrica, sina, divida hereditária.
Não, minha mãe não tem nada haver com isso.
Karma. Karma hereditário.
E isso tudo a nos dilacerar de novo.
E ponto final.

http://www.youtube.com/watch?v=ijQpr_NxpU0

segunda-feira, 2 de abril de 2012

Subterfúgio

Deixa eu ser o teu subterfúgio e vem ser o meu.

Não te quero outro.
Não te quero morto.
Eu te quero mesmo torto,
tolo.

Não importa o que dizem os psicólogos, profetas, putas, inclusive eu
Deixa ser meu subterfúgio e eu ser o teu.

Vem que um dia é muito pra quem tem saudade
e pouco pra quem ama, além de sentir pressa.
Vem ser meu subterfúgio.

Deixa eu velar teu sono
enquanto vemos desenhos de luz e trevas no teu telhado
e tecer em sonhos, tal fiadeira do destino
música e jardim
no nosso quintal de céu
entre os cacos e farpas de nós.

Tal qual anjos decaídos
órfãos da vida, afilhados da morte - mãe severa, mas fiel -
a nos roubar um pouco a cada dia.
Com a benção de nossos próprios deuses e demônios.
Deixa eu ser teu subterfúgio e vem ser o meu.

Tola foi eu e você

sexta-feira, 30 de março de 2012

Bem que eu me avisei que estava errado
bem que eu disse a mim que não daria
bem que eu pressentia o fracasso
mas fechava os olhos e dormia
De manhã ainda tão cansado
via tudo o que acontecia
mas saía cedo e apressado
enganado que mais cedo
ou mais tarde
mudaria

["Bem que eu avisei", Sérgio Sampaio, inédita. Fragmento].
Mais um amor perdido
mais uma escuridão
mais um Deus que é atingido
mais um soluço e paixão
num peito manso e bonito
loucuras do coração
não tem crime nem castigo
só o olhar sofrido
reflete essa dor
Mais uma dor pelo mundo
Mais um que foi fundo
nas coisas do amor

[Sérgio Sampaio, "Mais uma dor", inédita].

terça-feira, 27 de março de 2012

Amor de Mar

Juro que tentei te expulsar
a pedras e paus,
mas você não sai da minha casa labiríntica.
Nela tem um caixa
de carne e sangue
onde guardo tudo com muito cuidado.

Nos buraquinhos do teu rosto, tantos continentes
e um oceano perdido por debaixo dos nossos lençóis.

uma casa pequenininha
cheia de amor
cheia de musica
cheia de mar

uma tarde de domingo
nós dois perdidos em todo aquele verde-azul daquela casa-mar
casa oceânica naufragada esquecida nas profundezas de deusa-iemanjá
disponível apenas pra quem tiver a coragem de ir lá, mergulhar
onde a gente se encontra e se perde
adormece e acorda
se abraça e se solta
num movimento de ondas.

Tudo posso no amor
sagrado é encontro de nossos corpos
em nome da vida, do gozo e do filho que não teremos.
A vida pede passagem e coragem.
Pecado é negar amor a quem se ama.

Creio no amor comido
amanhecido
pão de cada dia,
manga de vez.

Amor que bate a porta
amor que grita, esperneia, rir e chora
amor que briga e que se entende
bate e se debate
e até faz poesia
amor que faz amor
amor que ama
amor que goza
abraça, aperta, abarca
amor de cara amassada e beijo de manhã
café com pão
cama, mesa e chão
minha cabeça no teu ombro, teu sexo na minha mão.
Vinho, cigarro, mesa de bar e violão
amor que bebe cachaça
amor que vomita
amor que se sente na pele, não no coração.
Amor de dia e amor de noite
amor comendo peixe, sujando as mãos -
o amor olhando o mar.

Amor que fica perto,
que tem coragem.

O amor me ensinou a não temer a morte
o amor me ensinou a não temer a dor
o amor só não me ensinou a ter saudade.

quarta-feira, 21 de março de 2012

Acordei e parece que já não florescem, por que já não se cultivam, amizades por aqui. Isso é triste porque eu gosto mesmo de gente. Gosto fácil, de graça, gosto porque gosto de gostar e me dou porque gosto de me dar, porque me sobro ou não me caibo e não gosto de desperdícios. Mas todos tem medo, fadiga ou estão fechados demais...

O pavio do destino está queimando

Camila foi pra França.
Angélica enlouqueceu.
Diego se internou.
André se converteu.
Fabio amarelou.
Dafne partiu.
Zé caiu na pedra.
Paulo estar por aí.
E eu continuo aqui.

http://www.youtube.com/watch?v=nTS8_TRkzos

domingo, 11 de março de 2012

Mágoa de Cafuçu

Me contaminou com essa depressão; sai
Me impregnou com essa dor; não quero
Me pegou pelo calcanhar e cintura; larga
Numa noite fria e serena; fingido
Fez de mim viciada, adicta; não era
Roubou-me a paz; bandido

Qdo estiveres sozinho; não ligue
Se sentires saudade; esqueça
Tua presença incomoda; me deixa
Se queres o meu bem, problema
Não te quero nem morto, suma

Se tiver violão, não chame
E pó bom pra cheirar, que se dane
dinheiro pra gastar, queime ou guarde
Se a bebida acabar, não me cante
Se o dinheiro faltar, nem me venha

Não melhores pra mim, te desprezo
Vc que foi ruim, agradeço
Se eu quero teu bem, bem fudido
E se nada der certo, bem feito.

quinta-feira, 1 de março de 2012

PELO AM@R PRESO

EU PROMETI TE PROMETER TUDO
TE AMAR PARA SEMPRE
NÃO TE TRAIR NUNCA
NÃO TE DEIXAR JAMAIS

ESTIVE AQUI, NÃO TE SENTI NAQUELE MOMENTO
COM MÁSCARAS & ARTIFÍCIOS,
MESMO QUE FOSSE RUIM PARA OS DOIS,
FICAMOS

TUDO TE OFERECI, EXCETO EU MESMA
TUDO TE PEDI, EXCETO QUE TU FOSSES
QUEM TU ERAS
A MENTIRA ERA O QUE TÍNHAMOS DE MELHOR
PARA COMPARTILHAR UM COM O OUTRO

TUAS COISAS ERAM MINHAS, E AS MINHAS, TUAS
NOS MUDAMOS NA LOUCURA
DE TORNAR ETERNO
AQUELE BREVE INSTANTE QUE PASSAVA

SE CRESCÍAMOS SEPARADOS,
AINDA QUE NA MESMA DIREÇÃO,
NÃO SABÍAMOS NOS AMAR COMO ÉRAMOS
E TIVEMOS MEDO & VERGONHA UM DO OUTRO

TE PRENDI & PERMITI QUE ME PRENDESSES
ESSA CORRENTE PODIA DETER O CURSO DA VIDA
QUERIA QUE FOSSES PRESO COMO EU PRÓPRIA QUERIA SER
COMPANHEIROS DE UMA VIAGEM QUE NUNCA COMEÇOU
POIS NÃO NOS ENCONTRARÍAMOS

Advertência ou Sovina de coração

Me desculpe, seu moço
não retribuir como gostaria
o seu entusiasmo ao falar comigo;
ando meio miserê.

Foi um outro moço
que passou por aqui
num vendaval
levou tudo
- porque eu dei,
dei porque quis -
partiu, nunca mais voltou.

Meu coração anda cansado
sem forças
desanimado
pra se jogar assim em outra paixão.

Espero que tu,
pisciano de pia,
cabra do interior,
do sertão do cariri,
não desista fácil
de mim.

Não se desinstigue
com a minha desanimação
e principalmente peço,
por favor,
caso eu me dê pra ti
fácil que sou
não me roubes de novo
pra depois me largar na solidão.

Não gosto de ser só.
Sô de carinho, dengo, chamego
faço comida, dou amor
passo o domingo de baixo do lençol.

Sou da boemia,
sei ser bon vivan
não nego cana, nem cama
conto piada
falo palavrão
e rima de interior.
Discuto politica em mesa de bar
gosto de literatura, filosofia
faço poesia
respiro música e
adoro teu sertão. 


Ando de cavalo
caminhão pau de arara
como cuscuz com café de manha.
Tenho amor demais pra dar
e dou de graça,
mas como disse
ando meio miserê.

Mão fechada, ando sovina,
tenho economizado coração.
E tenho me guardado.

Mas, saiba, seu moço,
te aguardo
pra me convencer numa tarde
a abrir de novo
as porteiras do amor.

domingo, 26 de fevereiro de 2012

Vai e vem

Fico nesse vai e vem, maré sem fim. Ai se sesse vai e vem de coxas minhas nas tuas, mas não. Te desprezo, cuspu no prato em que nos comemos. Então, escacavio a dor quase sarada, sofro, gozo a dor. Lembro, te maldigo de todas as formas, me indigno contigo, pergunto como pode? como pôde? porque?! Me vejo de fora nessa historia (pelo menos tento), eu pra vc, só uma ponte entre o teu passado e o teu futuro, te salvando da lama em que estavas... Estavamos tão bem, ou apenas estavas(?) enquanto eu me fudia e me fudia sem perceber, te resgatando da lama pra me enfurnar nela até o pescoço... e eu te levei adiante pra tu poder voltar pra onde talvez nunca quiseras ter saido, mas eu! Nesse momento já suspeito de que essa historia ainda há de render. Pior, me convenço e quero. Abro, baixo a guarda e pergunto com toda franqueza, com todo coração, como só o amor pode perguntar: - Porra Zé, porque?! Porque?! Porque?!

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Romance de Carnaval

eu posso ser só um beijo
só um olhar descompromissado
só deus sabe o quanto meu corpo
treme de desejo

eu posso ser um lance
um romance passageiro
um toque ao seu alcance

eu posso ser uma transa
tu sabes se fazer de santa
na manhã que se passou

eu posso ser paixão
eu posso ser teu homem
nem que só por uma noite

eu posso ser amor
daqueles de novela
posso me fixar em tua carne
e nunca dizer adeus

eu posso ser
ninguém sabe como posso
ser pai de nosso filho
ser dono de teu lar
ninguém sabe quando acontece
simplesmente o tempo mostra

entre confetes e buzinas
não traduzem a alegria
de sentir um beijo teu
a se eu ao menos soube-se quem me beijou
prefiro fingir que não sei
e assim o carnaval se passou
o fim da euforia se confundindo em alegria
falsa rebeldia de quem sabe o que é amor


(Grieg, o Egocêntrico - http://griegoegocentrico.blogspot.com/)

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Dor e dor

Obrigada por me fazer desaguar. Eu que já não sabia mais lavar os olhos apesar de constatar todo dia a mesma dor ao acordar. Sinto como se estivesse passado a vida anestesiada, numa ilha da fantasia, pulando de amor em amor, paixão em paixão, sempre mergulhada em grandes e profundos êxtases e agora é chegada a hora de provar esse fel, essa amargura que nada mais é que a vida pura, seca, crua. É cruel. Mais é a coisa mais verdadeira que eu já senti. Mais que qualquer amor. Uma hora a gente desiste de buscar uma mão que nos resgate, é a hora da entrega total a vida. Sabe, a dor nos faz mesmo mais humilde. Olha, eu realmente não sei, mas agora todo o teu sofrimento, como o meu por outras pessoas, me parece tão desnecessário e neurótico, eu, tu, o Pedro, o Zé, a Maria, o Joquim são apenas ora pretextos, desencadeadores, catalizadores a nos jogar abismo abaixo num ninho de feras carniceiras esfomeadas; ora anestésicos, doces ilusões, pílulas que nos levam acima, ao céu, ao infinito, avante, a mil e além. A minha dor é minha, ninguém botou ela aqui. Ninguém tem culpa, ninguém é pai ou mãe da minha dor. Sou eu, nada é mais meu que a minha dor, nada é mais eu. A gente vive isso que chamamos de amor de uma forma tão doentia que não sei... acho que amor é outra coisa. Amor é uma coisa solitária, uma pedra lapidada que só se encontra em solidão. Sei que você não vai concordar, mas essa é a minha verdade de agora. E sabe, tudo me faz crer que o que precisamos fazer é aceitar o que a vida nos dar, respeitar seu fluxo, dançar com ela, ela que dita o passo. Penso que se nos reaproximarmos pode ser algo novo, nem isso nem aquilo, mas encontraremos um jeito, tem que acontecer. Nem que vc aprenda a me desejar e não me ter. E nem que eu sempre busque aquele cara e nunca mais encontre. Não sei, essa distancia não me convenceu, já se passou tanto tempo, não deu certo, não funcionou, vamos tentar outra coisa, cara. Não quero te desestruturar denovo. Não tenho nada para te dar, garantias, promessas que me soam como forma fácil de mentir. Nem sorrisos. Mas acho que ainda posso apostar em encontros. Posso apostar todas as minhas fichas que certamente não são muitas, nem valem tanto. Porque encontros são sempre imprevisíveis. A gente nunca tem como saber; 1 + 1 é sempre maior que 2, porque é fora e não dentro de nós mesmo, é junto, é com... Vem?!, vamos?!

http://www.youtube.com/watch?v=U74Qo9PyKQ8

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Ele desbundou

Ele desbundou, debandou e me deixou
chorando no pé de qualquer calçada
no banheiro sentada sob luz amarelada.

Amarela minha cara, meu sorriso
só de pensar no que tu fez comigo
como pôde partir assim
sem adeus
e nem ligar.

Tenho vergonha de mim
quando olho no espelho
por tu ter me deixado desse jeito
sem tchau nem dó,
cara de pau!
quem vai embora sou eu!
quem já viu me deixar assim
com essa mania de poeta
de cantar, tomar uma dose
e com marca do teu abraço
nos meus braços
pequenos pra ti.

Agora
tu já deve tá bem acomodado
em outros braços,
que os meus não te couberam.

E mesmo depois de tudo
choro,
sinto saudades,
escrevo versos
e te quero mais que tudo.

sábado, 4 de fevereiro de 2012

Que se dane a crise do capitalismo

Que se dane a crise do capitalismo
se quando me joguei a corda quebrou
se quando estava quase lá, você acabou
se quando quase tive paz um furacão passou.
(e destroçou)

Que se dane a crise do capitalismo
se quando fui me refrescar, o mar secou
a casa caiu, o teto desabou
você estava na fissura, mas a droga acabou.

Que se dane a crise do capitalismo.
Aqui nada rima com amor
exceto dor.

Que se dane a crise do capitalismo
pois se esse carnaval ainda nem começou
eu quero é botar meu bloco na rua
e jogar merda no seu ventilador!

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Orgia

Pisar em brasa e não se queimar. Rir como se fora insana, como se não houvera depois, como se viver fosse apenas rir. Rir-se. Se embebedar de céu, se dar ao sol em oferenda e se deixar queimar e colorir por seus raios de luz. Se entregar a terra, se sujar de areia, rolar por ela, completamente entregue. Depois, cair na água, celebrar Iemanjá. Apaziguar o calor que o sol depositou em nossa casa-corpo com raios lunares. Me embriagar de ti. Nos embriagarmos um do outro e, molhados de suor, saliva e sémem gozar antes, durante e depois. Respirar profundamente, inflar-se e ser toda ar. Distraidamente adormecer sem nos preocupar com portas e janelas abertas.

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Vivemos, morremos.

Não, a gente não precisa encontrar tudo dentro de si mesmo, sozinhos. Não, o jardim nunca estará pronto e jamais seremos autônomos, livres, independentes, fortes e completamente felizes conosco mesmos.

Sim, é nos encontros com os Outros que nos encontramos e nos recriamos. É fora, e não dentro de nós que está toda uma infinitude de novas perspectivas. Nunca estaremos prontos, plenos, cheios, inteiros e acabados, e carregaremos sempre uma carroça de carências, faltas, anseios, defeitos e desejos não saciados, quiçá saciáveis, nas costas. E é só por isso que amamos e somos verdadeiramente amados.

O amor verdadeiro é aquele que nunca é totalmente verdadeiro, porque todo amor é uma mentira que a gente inventa pra gente mesmo e acredita, e conta pro outro que também acredita, e aí vira verdade. É preciso inventar o amor, tal como a vida. Sim, só o que pode ser inventado pode ser belo. Sim, há beleza também na feiura: - Veja!. Sim, eu acredito no amor. Sim, vou me decepcionar, sofrer, chorar. Sim, um dia vai acabar e vai doer. Sim, ainda assim acredito.

Sim e não, somos seres de falta. Sim e não, somos também de abundância, mas damos tanto, apenas, pelo que em nós nos falta aos gritos. Não se trata de simples troca, pois, sim, somos verdadeiramente generosos, mas, sim, mais ainda sedentos.
Sim e não, encontros são possíveis? Sim e não, podemos realmente nos comunicarmos? Sim e não, o que pensamos compartilhar é uma ilusão de dois lados? Não, não sou nillista. Tão pouco solipsista. Humanista, também não.

Sim. Ou você faz da sua vida poesia ou ficará sozinho no palco enquanto todos deixarem a plateia aos bocejos e sem aplausos. Agradeça se não jogarem tomates; podia ser bosta!!! Sim, a vida não dá colher de chá. Sim, você só tem uma e, sim, não tem ensaio. Sim, é preciso improviso. Sim, você está vivo, então se jogue e suje suas mãos!

Sim, eu posso ter momentos felizes sozinha. Sim, sou interessante. Sim, gosto da minha própria solidão como companhia. Sim, ela é minha melhor amiga. Sim, tenho dedos, mas, sim, uma hora cansa. Sim, não sinto meu próprio cheiro. Sim, preciso de ti. Sim, podia ser outro... Sim, talvez seja só vontade de se livrar do tédio... Não!

Não quero ser grande; não, plena; não, inteira; não, extraordinária. Não, prêmio Nobel; não, ficar pra história. Sim, viver; sim, me queimar; sim, ter a vida consumida de uma só vez feito um cigarro que pode até ser o mais barato! Não, não precisa pensar tanto; não, conceito; não, teoria, metafísica; não!, não; filosofia.
Ok, apenas um pouco para dar um charme...

Sim, quero criar; sim, produzir; sim, parir; sim, me ultrapassar e não acabar em mim. Sim, deixar marcas, rastros. De unha, batom, abraço, prazer, dor, palavras, cores, filhos. Sim, mas apenas porque quero. Tão somente pelo instante presente. Sim, imediatista, hedonista.
Somos seres finitos, mas, sim, podemos não ser.


Porque tu existe, quero. Porque quero, me movo. Porque me movo, erro. Tento de novo, busco, encontro, me perco, caio, levanto. Numa dança de silêncio. Comunicamos e desentendemos. Descomunicamos, descalços, descalchutados. Desconectamos, desclassificados. Sintonizamos e depois não. E depois sim. Nos fundimos, nos emaranhamos, nos estranhamos, nos arranhamos. Brincamos, dançamos, gozamos, sofremos, comemos e comemos, erramos, bebemos, fumamos, fudemos e nos fudemos. Faltamos, abundamos, generosamente nos damos, avidamente queremos. Sim, somos. Vamos, viemos. Vivemos, morremos.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Ruiva

Primeiro eu preciso te dar outro nome pra evitar te chamar pelo teu que me faz tremer só de pensar em pronunciar. Serás Ruiva; minha Ruiva.

Ruiva, fico a imaginar por onde tem andado as tuas belas pernas. Tuas pernas compridas e torneadas, antes sempre à mostra, agora sempre cobertas de calça jeans, até isso o trabalho destroi: a paisagem das tuas pernas a caminhar por qualquer canto, não importa o que tenha ao fundo. Tuas pernas longas me fazem te botar num altar e te adorar como a um deus pagão, pior, uma deusa, e eu não me canso de profanar em teu nome.
Ruiva, já fiz tanto rebuliço com isso que eu nem sei que nome dar. Já tentei modelar feito massinha, transformando em outra coisa bonita como uma amizade; já tentei tocar fogo e transformar em cinzas, e nada! Isso parece que não morre e também se morresse acho que me levaria junto. Às vezes é sede sem fim do teu cheiro, teus cachos, teus seios; outras é uma dor latente que permanece ali, esteja eu em Paris ou na sarjeta. Às vezes é tão doce como só uma ilusão pode ser. Às vezes é desesprero, me faz errar pelas ruas bêbado e perdido, feito louco murmurando teu nome, alucinando teus beijos. Às vezes, raras vezes, me sinto limpo e separado de ti. Mas basta um pensamento, um lugar, um cheiro, uma palavra, uma dose, uma coisa besta qualquer pra esse redemoinho me puxar de volta, Ruiva; és minha maldição e minha glória. Sei que nasci pra anti-herói; tu serás minha para-sempre-Dulcinéa. Por ti viverei todos os meus dias, nem que seja para, a cada dia, me certificar de que todos os dias são dias perdidos sem ti, minha Ruiva, minhas pernas, meus cachos, meus seios que não são nem nunca serão meus, mas de outro. Outro a quem tu dá tão generosamente, tão facilmente, tão baratamente, Ruiva, sua vadia!, a felicidade dos teus encantos.

Por mais que eu chafurde e me debata, me corte e me remende, me faça teu capacho e, por vezes, tenha vontade de te espancar; não te quero mal. Não te quero presa, não te quero triste, não te quero outra. Talvez nem te queira minha...

Mas lembrar do dia que te tive ali, ao alcance das mãos...

Queria eu voltar pra aquele dia e começar tudo do zero de novo. Te falaria qualquer coisa que te chegasse ao coração ou as entranhas, tanto faria eu segurar tua mão ou enfiar o dedo na tua buceta, não importa, mais cedo ou mais tarde os dois caminhos se cruzariam, nos enlacariamos e nos uniriamos e não nos separaríamos, pois não haveria tempo para que pudessemos nos separar. Porque eu me perderia no infinito dos teus olhos onde eu me veria, onde eu te veria, onde eu me veria te vendo me vendo. No fundo dos olhos, como no fundo de qualquer poço, há sempre um infinito pra gente se perder e nunca mais se encontrar. Poderia chamar de loucura, mas chamo Ruiva.
... no fundo do poço profundo dos teus olhos eu me perderia e morreria nos teus braços, entre tuas pernas, sentindo o cheiro dos teus cachos misturado ao de teus seios, fluidos e entranhas. Seriamos enterrados um ao lado do outro, ou seriamos cremados e tuas cinzas seriam postas juntas às minhas...

Não! não quero anel, papel, filhos, promessas, futuro, velório, cremação, enterro, sequer quero palavras; é tão pouco o que quero de ti que me sinto um mendigo diante de tudo isso que eu nem sei nomear. Poderia chamar amor se não me parecesse tão inadequado. Às vezes fico tão confuso que me pergunto se tu realmente existe, mas afasto logo pra longe esse pensamento, afinal aquelas pernas, aquele balançar de quadris, aquele cheiro... não poderia ser uma ilusão, pois de mim nunca sairia algo tão increvelmente belo, divino, doce, sedutor, ah, Ruiva, como tu me perturba vez em quando.
Tem mais presença em mim o que me falta.
Meu avesso é mais visível que um poste.


Manuel de Barros

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

desilusão precoce ou o cheiro da manhã

Não sei se é intuição ou neurose, mas algo me diz que tudo vai desandar a partir de agora. Que você largou o trabalho pra cherar. Que você largou o nosso amor no canto da obra. Que tudo vai voltar a ser como era antes, ou melhor, como não era antes. Você vai voltar pra aquela casa, pra aquela vida, pra aquele bar. E de novo eu vou ficar sozinha enquanto você se mata aos poucos por aí. Você vai jogar os nossos planos fora, por não saber o que fazer com eles. Eu sei que você não sabe, mas não precisava de nada disso, eu nunca te pedi nada, apartamento, abstinência, que você mudasse, nada além do que já tinha. Eu sabia que estávamos indo rápido demais. Que estava sendo bom demais. Eu devia ter aproveitado mais enquanto era tempo; melhor assim, sofro menos agora com a minha desilusão precoce. Mas se eu nunca me importei de sentir, eu nasci pra viver e sangrar, seja de dor ou prazer. Eu queria que você não fosse embora. Que ficasse um pouco mais, apenas ficasse. Não precisava me trazer maças, nem dizer coisas interessantes, não precisava ser o que não é. Eu te queria assim, perdido, fedido e bêbado. Eu te quis naquele motel barato, naquele sofá preto, naquela casa cheia de ratos, porque diabos você foi querer me dar mais do que eu pedia?! Eu gostava mesmo de quebrar a cara e a fantasia com o balde de água fria que tu me dava quando acordava mal humorado falando palavrão; e a realidade cheirando a manhã.

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

E então, me enchi de amargura. Como uma planta que desidratou ao sol; meus peitos murcharam, meu ventre secou.
O que antes era fecundidade, abundância, água, vida, útero-materno-amor, potencial de infinitas possibilidades, lua cheia transbordante de esplendor; agora é terra inóspita, sequidão, deserto, feiura, escassez, desterro. Minguância, azedume. Dias de magras vacas. Penúria, miséria profunda. Dor.
Ele foi embora. Antes que eu pudesse conhecer seu rosto, escolher seu nome, segurar sua mão. Quando começou a semente do amor, seu projeto foi abortado. Levarei sempre na memória as lembranças dos momentos que nunca aconteceram, mas que eu tantas vezes vi e vivi.
Um amor prematuro, mal elaborado e sem rosto.
Não existe ex-amor.

Ao que nunca foi, minha eterna saudade.

Um adeus

Ele se foi. Ainda bem porque me doia ele sendo minha sombra. Ele foi porque eu mandei ele ir. Agora ele pode ser teu, toma. Cuida bem dele, tá? Melhor do que eu pude cuidar. Eu espero que ele possa ser bom pra ti e tu pra ele, como nós fomos um para o outro, mas já não podiamos mais. Digo, não estava mais sendo bom pra mim. Eu me sentia sufocada. Precisava denovo esticar as asas, alçar voo, voar. É minha sina, mais cedo ou mais tarde eu sempre preciso voar. E ele era o que me prendia ao chão. Como todo pássaro, eu me aborrecia, pois queria o céu. Agora eu voo e ele sofre no chão sem mim. Se tem uma coisa que aprendi que a vida não é, é justa; a alegria de uns é a tristeza de outros. Nossa história não foi uma mentira, apenas deixou de existir. Eu quis ter um filho teu e ser a mãe mais linda do mundo, juro! Eu voei tantas vezes contigo. Você me conheceu lá no fundo, teve o melhor e o pior de mim. Pra quê mais? Agora acabou e eu vou ter você como uma coisa boa que passou por mim. Eu vou ter você em mim, inevitavelmente. Eu, essa colcha de retalhos eternamente inacabada. Mais cedo ou mais tarde vou querer você, por saudade, desamparo ou desejo. Pode vir também a nostalgia, mas aquilo que fomos nunca mais tornará a existir, assim como é impossível uma mesma mulher entrar duas vezes num mesmo rio, porque duas estrelas só se cruzam uma vez, por mais infinito que seja o céu. O céu. Olhemos pro futuro sem esquecer nossas origens. Serei eternamente grata pelo que você deixou em mim. E eu vou continuar te amando quando a gente se deixar.
Captar o real do meu tempo. Parir a ficcção a partir da exarcerbação do real presente.

Amor-canibal

Da primeira vez, foi só pra me distrair. Tanta gente já tinha te comido, eu quis experimentar, alguma coisa boa você devia ter, eu pensei. E teve. Te devorei como um animal que se alimenta de outro da mesma espécie, talvez na esperança de incorporar a mim aquilo que em ti eu tanto precisava. Talvez por isso tu se tornou um vício; eu precisava de ti pra me sentir eu. Não o que eu era, mas o que eu queria ser, o que eu precisava. Eu te procurava por necessidade, houvesse ou não prazer. Tinha uma coisa dentro de mim que não me cabia, ou que me faltava, não sei ao certo. O que você não sabe, provavelmente nunca saberá - porque é somente aí que está minha possibilidade de liberdade - é que meu vício era o depois, não o durante. Hoje, não digo que estou limpa de ti. Se me faltasses a abstinência seria certa e grave, mas de alguma forma não te quero mais.

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

"Daí penso coisas bobas quando, sentado na janela do ônibus, depois de trabalhar o dia inteiro, encosto a cabeça na vidraça, deixo a paisagem correr, e penso demais em você.
(...)
Deitada no ombro dele, ela via seu rosto muito próximo. Esse era o sonho, nada mais.
É preciso que você venha nesse exato momento.Abandone os antes. Chame do que quiser. Mas venha. Quero dividir meus erros, loucuras, beijos, chocolates...Apague minhas interrogações. Por que estamos tão perto e tão longe? Quero acabar com as leis da física, dois corpos ocuparem o mesmo lugar! Não nego. Tenho um grande medo de ser sozinha. Não sou pedaço. Mas não me basto."


Caio Fernando Abreu

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Narcisa

Um dia ela se olhou no espelho e com espanto encontrou naquele pedaço de vidro tudo aquilo que sempre buscou encontrar em alguém. Começou a perceber o que tinha de grandioso e o que tinha de besta, e a gostar de ambas as coisas indistintamente. Então, foi degustando cada parte de si: pensamentos, gestos, membros, mas principlamente o todo, como uma obra que é bonita justamente pela soma de suas partes. Foi quando ela desejou e quis sua própria pele, seu próprio gosto, suas próprias maõs e a sua saliva. E foi navegando por suas superfícies e suas profundezas, hora navio, hora submarino; hora explorador a ancorar em terras nunca habitadas, hora pirata a encontrar tesouros a muito escondidos. E nessa entrega ficou se curtindo por horas a fio num mar de descobertas e sensações até se apaixonar perdidamente por si mesma. Desde esse dia ela nunca mais se abandonou, teve momentos lindos a uma, não foi feliz para sempre, mas pelo menos nunca mais tornou a ser partida, como a banda de uma laranja.

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Até a fumaça dança, rodopia e se dissipa com a música. Dançar pra ela era embriagar-se. E toda aquela gente embriagando-se com suas danças entre moscas, mosquitos, macacos, árvores e tudo o mais. Aquela era sua transformação, dançar, rodopiar e dissipar-se, pois não havia nada mais além. A mudança não foi repentina. Não foi de um dia para o outro ou de um outro para o dia, foi a mistura de ambos: se foi um dia triste e um triste outro que se foi. Ela agora só podia dançar a vida, sentir o bumbo da música entre um mamilo e outro, ou entre um outro e seus mamilos, abrindo os braços e partindo as fôrmas, sem coreografia, sem ritmo, sem melodia. Se exisia amor, e se ele não era mera forma de entretenimento entre os homens que não conseguiam viver em paz, amar era uma dança em que cuidar do outro, abraçá-lo e despí-lo de qualquer insegurança e de qualquer medo era a meta principal. Ela poderia ter pensado, caso ainda conseguisse ordenar os pensamentos que não deveria se olhar o outro enquanto este dança, mas sim dançar com ele, pois todos dançam à sua forma invejável de compartilhar, pele na pele, suor, sangue, saliva, catarro, gozo, pura embriaguez do corpo e da alma que a este acompanha. Ali, ela só queria transceder, virar mar, subir, descer, ir e voltar, num presente intransponível de luz e de saudade: fundir-se ao mar, amanhecer Iemanjá.
(Vanessa Castro)

domingo, 20 de novembro de 2011

Me virás

Me virás branco, cabelos medianos, barba por fazer, fazendo o tipo Che Guevara moderno, trotskysta, taurino, ereto, firme e sensual. Nos devoraremos feito bixos rolando pelos azulejos brancos do teu apartamento, me pegará pela nuca me chamando de anarquista. Depois, nus, deitados na cama discutiremos sobre a questão do sujeito revolucionário diante da restruturação produtiva, a concepção de revolução cultural em Mao, a expulsão dos bakuninistas da 1º internacional, os levantes na Líbia. Tu me surprenderás com café na cama e uma poesia do Mayakovsky. Nossas diferenças darão um toque irresistivel a manutenção dessa relação. Cresceremos juntos, nos cortando vez em quando. Mas nos amaremos com sinceridade. No fundo, nos atrairemos pela ideia de dormirmos com o inimigo. De nos entregarmos ao inimigo, de termos o inimigo em nosso colo, completamente entregue e indefeso. Seremos ainda asssim companheiros de luta e de vida.

Não.
Me virás moreno, cabelo raspado, olhos tristes, sorriso com covas, ombros irresistíveis. Virás músico, carregando sensibilidade e criatividade de artista, ainda que com um ar de cançaso e tédio diante da vida que eu saberei compartilhar. A gente vai se encontrar juntando nossas solidões de deuses decaidos. Tu vais tocar pra me seduzir, fingindo casualidade. Eu vou me encantar, me fazendo de distraída. Um dia acordarei antes de ti e te olhando dormir, um afeto sem tamanho tomará conta de mim. Teu chero será meu novo ópio, mas guardarei segredo até que tu me corresponderá me surpreendendo quando, ao acordar, eu perceber que estavas a me olhar ternamente enquanto eu dormia. Andaremos de mão dadas na praia em silêncio, me darás uma flor, me ensinará a chêrar. Até que numa madrugada no meio da semana não nos conteremos em dizer que nos amamos enquanto teu corpo penetra no meu. Nosso sexo será quase dolorido de tão quente, porém lento e por vezes violento.

Não.
Virás rebelde, mais novo, irresponsável e inconsequente. Olhar desafiador transpirando uma originalidade que beira a loucura. Nos beijaremos com velocidade, como se o mundo fosse se acabar amanha. Me permitirei me encher novamente de juventude. Seremos Eduardo e Mônica modernos. Frequentaremos shows de rock, beberemos vinho barato na praça. Cometeremos atos de delinquencia pela madrugada, por pura diversão. Dormiremos abraçados esperando o corujão. Treparemos no sofa da sala, com sua mãe no quarto. Fumaremos um beck sem economizar charme. Daremos beijos de língua em público, intencionalmente provocantes e imorais. Tua imaturidade, tua insegurança, teu medo da rejeição te fará agressivo e me ferirá, mas eu saberei te deduzir e ao contrário de revidar ou te fazer perder a graça te olharei nos olhos, te deirei algumas palavras duras e me despindo de máscaras e artifícios te farei se desarmar e então te beijarei ternamente acariciando seu rosto; você fará o mesmo. Assim, me ligarei de forma perigosa e inconsequente a ti. Viveremos rápido e morreremos jovens.

Não!
Me virás mulher. Linda, com uma feminilidade sutil, inteligente, independente, toda dona de si. Me perderei nas tuas belas pernas e provarei o teu mel sem nojo ou comedimento. Te pegarei pela nuca, serei teu homem e tua mulher. Do tempo, do encontro e do desejo nascerá o amor, e é provável que não tenha amor que valha mais. Virá, então, o olhar do outro pra nos condenar. Eu, fraca, me afastarei de ti, pra depois com uma flor na mão e um pedido de desculpas na outra me entregar a ti, mesmo a durar penas. Será meu chão, meu céu. Mar de carinho e prazer. Assim, descobrirei o lado obscuro da minha lua e ao teu lado serei mil vezes mais eu.


Não!...

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

A Perda de um Grande Amor ou O Colecionador de Dores

A perda de um grande amor envolve muitas dores, as quais tenho colecionado.

A dor da amputação, da separação, de se arrancar uma parte de você como um membro, uma vida, um futuro. Sonhos, planos, filhos e até netos.
A dor de nunca mais ter a pessoa amada, e tudo aquilo que acontecia, sentia, vivia, quando juntos.
A dor de ter perdido aquilo que costumamos chamar de "nós dois".
A dor da solidão.
A dor do medo da solidão.
A dor de imaginá-lo/a com outra/o.
A dor de vê-lo/a com outra/o.
A dor do ciúme, da posse ferida.
A dor pelo fim do amor, propriamente dito.
A dor da saudade que faz a gente pular de lembrança em lembrança, fazendo a gente provar aquela felicidade de novo por um segundo, para no outro cair no mais profundo desalento.
A dor do desespero. Da certeza absurda, ridícula e ingênua de que nunca mais vai amar outra vez, ainda que se tenha consciencia do quão absurdo, ridículo e ingênuo isso seja.
Aquela dor que te rasga o peito, feito facada.
Aquela dor que é quase uma carícia leve na ferida semi-aberta, que a gente quase curti no escuro do quarto, encolhido de baixo do lençol, enquanto chove uma enchente pelos olhos...
Aquela dor latente, que fica ali o tempo todo, faça chuva, faça sol, na festa, na praia, no bar, na hora do café da manhã e na janta, enquanto você sorri ou parece distraído.

terça-feira, 1 de novembro de 2011

Mão com Mão


Esquerda-direita
direita-direita
esquerda-esquerda

A tua na minha
a minha na tua
uma trança de dedos
uma dança de mãos

leve
quente
sente

palma com palma
ternura e tesão
sexo homossexual
entre irmãos

como uma luva
caiu
a tua
na minha mão

segura pra rodar
batendo
com o pé no chão

balança pra andar
aperta pra gozar
desliza pra falar
sem falar

mas solta pra dançar
com outro par
quando a música acabar
e a gente se deixar
sem se deixar
na mão

domingo, 23 de outubro de 2011

Para Além da Curva da Estrada

Para além da curva da estrada
Talvez haja um poço, e talvez um castelo,
E talvez apenas a continuação da estrada.
Não sei nem pergunto.
Enquanto vou na estrada antes da curva
Só olho para a estrada antes da curva,
Porque não posso ver senão a estrada antes da curva.
De nada me serviria estar olhando para outro lado
E para aquilo que não vejo.
Importemo-nos apenas com o lugar onde estamos.
Há beleza bastante em estar aqui e não noutra parte qualquer.
Se há alguém para além da curva da estrada,
Esses que se preocupem com o que há para além da curva da estrada.
Essa é que é a estrada para eles.
Se nós tivermos que chegar lá, quando lá chegarmos saberemos.
Por ora só sabemos que lá não estamos.
Aqui há só a estrada antes da curva, e antes da curva
Há a estrada sem curva nenhuma.


(Alberto Caeiro)

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Volta de V

Volta, V. Você não pode ir embora logo agora que a gente finalmente se encontrou e as coisas começaram a engranar, justo agora na hora de eu... Sabe, você nem me ensinou a fazer aquilo que disse que me ensinaria, você prometeu me ensinar e você não é do tipo que descumpre promessas, eu sei que não é, não pode ser, eu nunca me engano. Não me venha com desculpas esfarrapadas. Eu preciso que você segure minha mão quando chegar a hora, pelo menos na minha primeira vez. Eu sei, eu sei. eu preciso fazer isso sozinha. Mas olha, quero que você esteja aqui, nem que seja me olhando de longe, nem que seja pra beijar minha testa e me desejar boa sorte antes de eu ir, nem que seja pra me esculhambar se nada der certo e eu falhar. Não, não venha com esse papo de que está na hora! A hora é a gente que faz. Quando eu cair ou vencer, quero que você esteja por perto. Quero que você veja como eu posso ser grande e corajosa. Essa vitória ou derrota também é sua, você não pode partir agora. Se for agora, vai perder a melhor parte, V, depois não diga que não avisei. V, volta aqui agora! Se você não voltar, eu vou dizer pra todo mundo que você foi por covardia! V?! Volta, V...!

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Nódoa

Até ontem era um sentimento novo, frágil como uma borboleta, com o qual eu tinha que pisar em ovos pra que o encanto não se estilhassace com o menor descuido meu. Mas enquanto eu dormia o que era fugaz criou raizes e ao amanhecer estava completamente emaranhado nas entranhas do meu peito. As vezes parece dor, mas as vezes é como se fosse meu fôlego e como se sem isso eu não pudesse respirar. É renitente, pertinente e intermitente. Quando eu dei por mim, o que era mancha virou nódoa.

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Vai Passar - Caio F. Abreu

Vai passar, tu sabes que vai passar. Talvez não amanhã, mas dentro de uma semana, um mês ou dois, quem sabe? O verão está ai, haverá sol quase todos os dias, e sempre resta essa coisa chamada ‘impulso vital’. Pois esse impulso às vezes cruel, porque não permite que nenhuma dor insista por muito tempo, te empurrará quem sabe para o sol, para o mar, para uma nova estrada qualquer e, de repente, no meio de uma frase ou de um movimento te supreenderás pensando algo como ‘estou contente outra vez’. Ou simplesmente ‘continuo’, porque já não temos mais idade para, dramaticamente, usarmos palavras grandiloqüentes como ‘sempre’ ou ‘nunca’. Ninguém sabe como, mas aos poucos fomos aprendendo sobre a continuidade da vida, das pessoas e das coisas. Já não tentamos o suicidio nem cometemos gestos tresloucados. Alguns, sim – nós, não. Contidamente, continuamos. E substituimos expressões fatais como ‘não resistirei’ por outras mais mansas, como ‘sei que vai passar’. Esse o nosso jeito de continuar, o mais eficiente e também o mais cômodo, porque não implica em decisões, apenas em paciência.
Claro que no começo não terás sono ou dormirás demais. Fumarás muito, também, e talvez até mesmo te permitas tomar alguns desses comprimidos para disfarçar a dor. Claro que no começo, pouco depois de acordar, olhando à tua volta a paisagem de todo dia, sentirás atravessada não sabes se na garganta ou no peito ou na mente – e não importa – essa coisa que chamarás com cuidado, de ‘uma ausência’. E haverá momentos em que esse osso duro se transformará numa espécie de coroa de arame farpado sobre tua cabeça, em garras, ratoeira e tenazes no teu coração. Atravessarás o dia fazendo coisas como tirar a poeira de livros antigos e velhos discos, como se não houvesse nada mais importante a fazer. E caminharás devagar pela casa, molhando as plantas e abrindo janelas para que sopre esse vento que deve levar embora memórias e cansaços.
Contarás nos dedos os dias que faltam para que termine o ano, não são muitos, pensarás com alívio. E morbidamente talvez enumeres todas as vezes que a loucura, a morte, a fome, a doença, a violência e o desespero roçaram teus ombros e os de teus amigos. Serão tantas que desistirás de contar. Então fingirás – aplicadamente, fingirás acreditar que no próximo ano tudo será diferente, que as coisas sempre se renovam. Embora saibas que há perdas realmente irreparáveis e que um braço amputado jamais se reconstituirá sozinho. Achando graça, pensarás com inveja na largatixa, regenerando sua própria cauda cortada. Mas no espelho cru, os teus olhos já não acham graça.
Tão longe ficou o tempo, esse, e pensarás, no tempo, naquele, e sentirás uma vontade absurda de tomar atitudes como voltar para a casa de teus avós ou teus pais ou tomar um trem para um lugar desconhecido ou telefonar para um número qualquer (e contar, contar, contar) ou escrever uma carta tão desesperada que alguém se compadeça de ti e corra a te socorrer com chás e bolos, ajeitando as cobertas à tua volta e limpando o suor frio de tua testa.
Já não é tempo de desesperos. Refreias quase seguro as vontades impossíveis…

sábado, 27 de agosto de 2011

Pelas Tuas

Onde mesmo eu estava antes de me perder nas coisas tuas? eu ia dizer que gostei do conto Além do Ponto, apesar de no final ser meio pessimista, eu já tô me acostumando com esse pessimismo todo, não só por causa do livro, mas por causa da vida e de ti também, eu gostei porque além de chover nele, lembra o começo, quando eu não queria que tu soubesse quem eu era, por tudo que tu ia pensar que eu andava; e eu andava, por todas as vezes que eu sempre ia, pela chuva, pelas ruas, tu nem sabia o percursso que eu fazia pra chegar, um pé após o outro, até o ponto em que as pernas não obedecem mais, e tinha um fio invisivel ligando minha cabeça a tua, e tu me chamava, me esperava quente e pronto e me abriria a porta e por isso eu me atrevia... e no final, diferente do conto, a porta abria, continuou abrindo, tu tava lá de verdade me esperando, as vezes bate uma angustiazinha pensar no dia em que talvez eu fique batendo batendo batendo batendo batendo e a porta não abra mais nunca, e eu ferida, suja, molhada, maltrapilha, alucinada,

Lembra naquele dia? A mesma coisa, como sempre eu fui, não tinha chuva, nem poça, nem queda, mas tinha um ônibus que não passava, e quando passava não parava, e quando passava e ia parar já era pra pegar outro, que tava lotado e quase não dava pra subir... a lua veio, o sol se foi, demorou, mas eu não desisiti, eu fui, e quando finalmente cheguei tu tava lá, me abriu as portas, então eu me senti num conto, a gente indo, tu com a tua bicicleta verde do lado, meias vermelhas, pelas tuas, tão tuas, ruas. Me mostrando tudo até chegar, e quando então, mesmo sem ti eu me senti a vontade, por que eram as tuas, em tudo, foi quando começou, ela também tava lá, ela que me conhecia de outros ares, agora eu nos ares dela, ela toda cheia de si, pavão se abrindo, peixe beta colorido, dona de tudo que também era dela, as ruas, as roupas, as músicas, as danças, a voz, que ela oferecia segura da beleza radiante que emanava, seu corpo pequeno e escuro, seus olhos profundos. Então eu me abri pra receber o que tão generosamente tudo ali me oferecia como se tivesse me abrindo pra ti outra vez. Aí as histórias, as músicas iam tocando a gente lá no fundo, mas o melhor eram os detalhes que eu nem poderia dizer, até que uma estrela cruzou o céu e caiu bem atrás de vocês, pareceu combinado, bem na hora que a cena acabou e a música ia começar, vocês nem viram, mas a estrela caiu só pra vocês...
bola no campo passarim no ninho cobra no buraco garrafão... sete pecados... só meu só meu só meu só meu só meu... quem vai jogar... jogueiros... guerreiros novos... E eu vi a cor dessa paisagem, não só a cor, os sons, os cheiros e aquela gente e todas as crianças, como num quadro vivo, sabe?! Não sabe... Depois chegada a hora da partida a gente foi como tinha que ir, no fundo querendo ficar, mas também sem querer fazer eterno aquele instante que seria infinito enquanto durasse, o infinito era tu do meu lado, rosto pintado, meias vermelhas e o silêncio de quem tem tanto pra dizer, mas que sabe não valer a pena arriscar uebrar os nossos silêncios em que diziamos tanto; até surguir no fundo da cena o ônibus que me levaria pra longe, e que me levou, fazendo-me sumir no horizonte das tuas

terça-feira, 21 de junho de 2011

Como dois e dois são cinco

Eu queria conseguir arredondar tudo que eu tenho pra dizer, mas talvez eu ande meio quadrada pra falar de certas coisas assim, tão abertamente. Aí eu fico dando voltas e voltas até voltar pro ponto zero das tuas coordenadas que já não me dão direção nem sentido, nem levam a lugar algum. Dois ângulos de um mesmo referencial que nunca se cruzam no espaço e tempo presentes, como retas paralelas. Só que eu não quero esperar pelo infinito, nem ser trapézio pra vida de ninguém... Eu te explico que nem sempre um mais um são dois, aí você vem com esse papo de que nesse caso o melhor é ficar cada um no seu quadrado... então, eu saio pela tangente em busca de uma perpendicular... só que o destino segue em linha reta e no final eu sempre termino assim, sozinha, num triângulo incongruente.

domingo, 5 de junho de 2011

Pegemos todo esse amor-libido-monção-de-afeto-tesão-palavras-poemas-versos-rimas-seja-lá-como-queiramos-chamar e joguemos no espelho. Depois, recebamos de volta tudo inteiro egoica e esgoísticamente, e nos inflemos como pavões. Não nos desgastemos em vão e evitemos a fadiga e o desassossego.

Amém(-se)!

sexta-feira, 20 de maio de 2011

Energia-dual

Dois
bichos peçonhetos
movendo-se
de frente um para o outro
a se encarar
com olhos e corpos

Fluidez, malícia, sedução
todos os sentidos em alerta.

Até que, seguindo a sua natureza,
um dos dois quebra a inércia e avança
num ataque rápido e certeiro.
Seguindo a sua natureza,
o outro se defesa com um novo ataque
que segue de outro
e outro
e outro
...

Agora confundem-se
já não sendo possível distinguir quem é quem
emaranhados um no outro
num corpo a corpo
de pernas, barriga e braços;
escorpião é tudo igual.

Mais velocidade
mais força
mais intensidade
até atingirem o clímax.

...

Uma dança?
Uma luta?
Um ritual de acasalamento?

Derrotados,
ofegantes,
encharcados,
Tornam-se outra vez dois
a desfrutar a calmaria que segue sempre
os ritos ancestrais selvagens e vicerais

até recomeçar
o encontro que consuma
o eterno pulsar dual de
amor e guerra
combate e dança
morte e vida.

sexta-feira, 13 de maio de 2011

Fossa

Vontade de ir pro bar mais derrubado, pedir a bebida mais forte, amarga e barata, ouvir as músicas mais tristes e depressivas e (eu que não fumo) pedir um cigarro, o mais chulo e ruim, pra combinar com o meu estado de espírito. Fumar um, dois, três... até ficar com a alma impregnada de fumaça e nicotina. Me embriagar até apagar, não sem antes remoer todas minhas desgraças, tragédias e fracassos, até chegar no fundo do poço. Lá chegando, cavar mais. Continuar cavando ao ponto de ficar com as unhas gastas, os dedos encaliçados. E aí, embriagada, fumada e exaurida, cair pra acordar no outro dia ainda pior, ressaquiada de corpo e alma. Achando pouco, querendo mais, passar o dia pregada, olhando pra algum ponto no além, olhos sempre molhados, cutucando a ferida em carne viva. E vomitar até quase botar pra fora o próprio estômago, sentindo o gosto de fel da bili e misturado ao amargo da minha dor. Esperar a noite chegar pra dormir, desejando nunca mais acordar e então começar tudo denovo, porque como dizem "desgraça pouca é bobagem" e além do mais, ser feliz é para os fracos; os fortes sangram até a última gota.

quinta-feira, 12 de maio de 2011

Chover

Queria eu chover bem forte como a chuva que cai lá fora, sem pedir permisão nem lincensa. E sair arrastando o que tiver pela frente, se preciso for. Lavar ruas, telhados e paredes da minha alma, ha muito empoeirada. Queria eu chover pra poder escoar logo tudo o que vem se acumulando nessas núvens esparssas nos últimos dias, meses, anos (?) até não sobrar nenhuma gota e eu voltar a ser leve, como uma nuvém vazia pra flutuar denovo pelo céu ao sabor do vento... Mas acontece que faz seca aqui dentro. Se chovesse, ia ser uma chuva rala, que chove, mas nem molha. Então eu prefiro esperar e me guardar pra quando o inverno chegar.

sexta-feira, 22 de abril de 2011

Porque era ela, porque era eu



Hoje lembrando-me dela
Me vendo nos olhos dela
Sei que o que tinha de ser se deu
Porque era ela
Porque era eu


Chico

Ela é bonita. Ela é tão dela e é tão tua. Mas é tão minha. Tão secretamente minha. Ela é forte, só que isso ainda vai descobri. Eu sei por que eu também fui descobri. Ela tem exatamente o que eu tinha, e eu tenho exatamente o que ela ainda vai ter. Enquanto ela tá indo, eu já tô é voltando. Não é uma questão de idade. Muito menos um confluência astrológica.

Ela pensa que sabe o tamanho que ela tem, só que não sabe. O tamanho que ela pensa ter é pequeno, se comparado ao tamanho que realmente tem. Ela pensa que é grande, mas é muito maior. Eu podia até me apaixonar por ela... Mas ela não se apaixonaria por mim. Mesmo eu sendo o que ela queria ser. E ela vai ser. Ela só num sabe é o que vai ter que perder até ser o que quer ser...

Ela vai fumar, vai se embriagar, vai se ver jogada as traças, vai se vomitar. Mas no outro dia, vai acordar... e fazer tu-do-de-no-vo! Vai desejar não ter nascido, saber que tá sozinha e chorar. Mas fará as pazes com solidão logo logo, que será a sua melhor amiga, pelo resto da vida.

Ela pensa que eu sou enorme. Só que eu sou muito menor do que o que ela pensa que eu sou. Quando for ela, ela vai saber. Ela é delicada e frágil como uma flor. Mas é resistente e forte como um cacto, isso também falta descobrir. Ela tem tanto mistério... Tanto quanto essa história, cheia de mistérios. Tanto quanto você e eu. Você que tem a chave dessa história e faz questão de esconder, só pra ver a gente correr atrás... como quem corre atrás de uma vespa cega...

Mas quer saber? Eu não ligo. Por mim, joga a chave fora, depois de trancar por dentro. Deixa a roda girar, deixa a menina viver...

quinta-feira, 7 de abril de 2011

Eu me senti avulsa, como uma panela sem tampa no mundo. Mas antes uma panela sem tampa que uma tampa sem panela.
Não corra mais que o tempo. De preferência, deixe ele passar na sua frente.

sábado, 19 de março de 2011

Foi tudo culpa da chuva.

sexta-feira, 18 de março de 2011

Dente no Dente

Sim, não
Mas pode ser que seja de repente
A minha frente, bem na tua frente
Tudo muito rente, quente
Sente o drama
É tudo ser assim tão envolvente amor
É tudo ser assim tão de repente tente agora
Olho no olho, dente no dente
Lentamente, é nesse hora a hora
Que eu desejo o fim do fim de tudo
É no começo, e o sol poente
A coisa fria e o fogo novamente
E tudo não mais que de repente
Quente, quente, quente
Sente.

Torquato Neto
Jards Macalé

De cara!

Eu queria que tu soubesse que apesar de eu parecer ser assim meio "modernosa", forte e desapegada como tu diz, como se amasse todo mundo e ao mesmo tempo não precisasse de ninguém, na verdade isso é só fachada, jogada de marketing ou projeção do que eu talvez quisesse ser... Porque seria bem mais fácil ser assim, sabe? Mas eu não sou, pelo não menos não totalmente. Eu também sou carente, careta, romântica, sensivel, me apego fácil e me apaixono mais fácil ainda, mas não que isso ocorra com muita frequência, digo fácil no sentido de não precisar de muita coisa pra acontecer, basta ter aquele algo a mais que eu já disse que não sei explicar, que é raro e ao mesmo tempo simples e certeiro, sempre... E eu sei que isso tudo que eu tô dizendo não é tão novidade pra ti, porque por mais que eu finga e disfarce, sempre acabo deixando transbordar um pouco de tudo que eu sinto... E sabe, fazia tempo que não acontecia de eu me deparar com esse algo a mais, até que naquele dia eu dei de cara com isso bem meio da tua cara, mesmo isso estando na minha cara a uma cara... Sacou, cara?!

sábado, 12 de março de 2011

Eu quis tanto - Caio F. Abreu

Eu quis tanto ser a tua paz, quis tanto que você fosse o meu encontro. Quis tanto dar, tanto receber. Quis precisar, sem exigências. E sem solicitações, aceitar o que me era dado. Sem ir além, compreende? Não queria pedir mais do que você tinha, assim como eu não daria mais do que dispunha, por limitação humana. Mas o que tinha, era seu.

Caio F. Abreu

segunda-feira, 7 de março de 2011

Tóxico


- Cada pessoa tem o seu tóxico próprio, particular, intrasferível e único. Não adianta experimentar o dos outros. Acaba nos fazendo mal a saúde. O meu é cocaina.
- O meu é gente e álcool. O álcool, porém, me faz mal.
- Você tem pó?
- Você tem gente?
- Quando não tenho pó, apenas o céu adianta. Mas é preciso toda uma tarde pra eu começar a sentir...
- Você está sentindo?
- Estava, quase. Sua mão cortou...
- Desculpe, preciso de gente...


Roberto Freite, Coiote.

Uma Dor Antiga


Todos os dias de manhã eu fugia da vida pra escapar da morte. Eram nó(s) de longa data que me amarravam o presente ao passado. Uma crise obcessiva em meio a histeria permanente. A velha insônia política, o antigo sintoma do amor. Pesamentos que vinham como um ataque de guerrilha onde quer que eu transitasse. Um recalque mais-que-perfeito, que jamais emergiu. Emoções sem nexo me escapavam atravessando sentidos, exigindo porquês. Somatizações por cima de somatizações. E a velha dor estancada, precisando escoar...

sábado, 26 de fevereiro de 2011

Quarto de Dormir

"Um dia desses você vai ficar lembrando de nós dois e não vai acender a luz do quarto quando o sol se for. Bem abraçada no lençol da cama vai chorar por nós pensando no escuro ter ouvido o som da minha voz. Vai acariciar seu próprio corpo e na imaginação fazer de conta que a sua, agora, é a minha mão. Mas eu não vou saber de nada do que você vai sentir sozinha no seu quarto de dormir. No cine-pensamento eu também tento reconstituir as coisas que um dia você disse pra me seduzir. E enquanto na janela espero a chuva que não quer cair o vento traz o riso seu que sempre me fazia rir. E o mundo vai dar voltas sobre voltas ao redor de si, até toda memória dessa nossa estória se extinguir. E você nunca vai saber de nada do que eu senti sozinho no meu quarto de dormir."

Arnaldo Antunes

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Moinhos de Vento



De Dom Quixote para Dom Quixote

Eu já não tenho a menor idéia do que é delírio e do que é verdade. Que palavras são pedras e que palavras são moinhos de vento. Porque além da minha suposta loucura, da minha confusão e dessa minha visão traiçoeira que me faz ver rio onde é deserto, ainda tem todas essas meias palavras tortas, todas essas entrelinhas e todas as lacunas e todos os porquês, sem falar em todos os possíveis se's que tanto me atormentam... zumbindo no meu ouvindo enquanto eu tento dormir, alimentando com migalhas a minha obsessão, como uma mosca merecendo ser morta em um só golpe rápido e certeiro!... Mas que eu sempre deixo escapar, levando embora por mais um dia a minha paz...

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Como se diz eu te amo

Tomou fôlego como se fosse falar algo previamente pensado, algo talvez constatado no momento antes de dormir, "direi a ela", pensou, e então estava alí, aquela era a hora;












...soltou o fôlego, faltou coragem suficiente, ou simplesmente preferiu evitar a fadiga se mantendo na zona de conforto. Ela perguntou: - o que foi? E ele: - o que foi o que? Ela: - o que tu ia dizer? Ele: - Como tu sabe que eu ia dizer alguma coisa? Ela: - Sabendo... Diz... Fazendo um afago leve de tão doce, enquanto inspirava e expirava o ar no seu cangote.

Silêncio.

Continuaram abraçados. Tinham uma facilidade fora do comum pra mergulhar nas profundezas dum oceano de sentimentos e sensações um do outro, embarcar na espaçonave transparente para um mundo paralelo, fantástico, se transformar em nuvem e flutuar a dois metros do chão; coisa de seres de água. Quando davam por si estavam na mesma frequência, uma frequência alta, pouco sintonizada por aqui... Num desses mergulhos ela se surpreendeu com um "eu te amo" na ponta da sua própria língua, emergido das suas entranhas, veio inesperado, não premeditado, como um ato reflexo, eles nunca tinham se dito aquilo, quase escapoliu, mas ela conteve a tempo. Com um susto seu coração disparou e ela soube o que ele ia dizer.

Nessas horas, só sentiam, no presente, no corpo; naquela época andavam mais duendes do que nunca... Pediu denovo: - diz...



***



Tu cogitou falar. Aí teu coração começou a bater bem forte e acelerado e eu te senti como um menino frágil nos meus braços, todo nu, quase constrangido, sem conseguir esconder tua nudez de mim que te decifrava, era inevitável, éramos água, sabíamos, sentiamos, suas fraquezas e delicadezas assim tão expostas me cativavam ainda mais... eu te abraçei, sem escolha, como se abraça um bicho indefeso, e te acolhi com tanto amor que... teu coração disparou mais e tu procurando um jeito disse, "eu acho que eu te amo", como se fosse algo assim casual

(os próximos segundo duraram minutos, como se tivessem botado câmera lenta)








meu peito soltaria fogos, se faria festa em mim. Mas a gente tinha aprendido a não agir com efusividade e sem precisar de muitos artifício, eu, procurando um jeito disse, como se fosse casual: "é, eu acho que também te amo". E a gente ficou com aquela sensação de que as palavras eram ineficazes e insuficiente pra dizer o que a gente tinha guardado no fundo do nosso peito de água, tão cheio, encharcado, transbordante

sábado, 5 de fevereiro de 2011

A menina e o bicho solto


Não faz isso menina, não se deixa dominar por esse sentimento pequeno-burgês, o ciúme. Pode sentir ciúmes, sim, mas não pode se deixar dobrar por ele, entendeu? Tem que ser ao contrário, quem dobra ele é você. Eu disse dobrar, não amassar. E se possível, transformá-lo numa coisa bem bonita, como um origami. Escuta, o amor é um cavalo selvagem no qual não se pode pôr rédeas. Não se deve. Passarinho solto canta mais bonito, cachorro novo se ficar muito no braço amufina. Deixa ele correr livre por outros campos tão verdejantes quanto, ou por onde mais ele queira ir, ele volta. Ou não. De qualquer forma, sempre há o "ou não". Nessa vida não existem garantias. Se alguém te der, te prometer, jurar pela mãe; não acredita, são sempre mentiras! Registrar em cartório, papel passado, anel de noivado é tão inútil quanto sinto de segurança em avião. C'est la vie, fille, c'est la vie. Olha, pára, pára de esperniar; não seja assim tão mimada, tão cheia de querer... você não pode ter sempre tudo que quer, ok?! Ô menina malcriada, cê tá me escutando?!

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Nesses dias cinzas, coincidentemente chove também pelos meus olhos e nariz.

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

"O tempo não traz alívio" - St Vincent Millay


O tempo não traz alívio; mentiram-me todos
os que disseram que o tempo amenizaria minha dor!
Sinto sua falta no choro da chuva;
Quero sua presença no recuar da maré.
A velha neve escorre pela encosta de cada montanha,
E as folhas do outono viram fumaça em cada caminho
Mas o triste amor do passado deve permanecer
no meu coração, e meus velhos pensamentos perduram.
Há centenas de lugares aos quais receiro ir
- por estarem tão repletos de lembrança dele.
E ao entrar com alívio em algum local tranquilo
Onde seu pé nunca pisou, nem seu rosto brilhou.
Eu digo: "Aqui não há nenhuma recordação dele!"
E com isso paro, arrasada, e me lembro tanto dele.


St Vincent Millay* (1892 -1950), traduzido por Wáldea Barcelos

"Canto Fúnebre da Insubmissão" - St Vincent Millay


Eu não concordo com a descida dos corações amantes à terra dura. Assim é, será e foi desde tempos imemoriais: eles seguem pelas trevas, os sábios e os belos. Coroados de lilases e de louros, eles partem; mas eu não me conformo. Amantes e pensadores, contigo, dentro da terra, transformados na poeira morna e cega. Um fragmento do que tu sentias, daquilo que tu sabias, uma fórmula, uma frase apenas restou - mas o melhor está perdido. As respostas rápidas e vivas, o olhar honesto, o riso, o amor - estes partiram. Partiram para alimentar as rosas. Os botões serão meigos, elegantes e perfumados. Eu sei. Mas eu não aprovo. Mais preciosa era a luz em teus olhos que todas as rosas do mundo.

Fundo, fundo, fundo na escuridão da cova, docemente, os belos, os ternos, os bons, calmamente eles descem, os inteligentes, os espirituais, os bravos. Eu sei. Mas não estou de acordo. E eu não me conformo.

St Vincent Millay* (1892 -1950), traduzido por Roberto Freire

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011


"com certeza tu já ocupou um grande espaço no meu coração que é um grande latifúndio que não é nada improdutivo, pelo contrário, é uma verdadeira reforma agrária acontecendo, onde tem espaço para ser ocupado por quem tem boa vontade de produzir sem explorar, onde quanto mais produções naturais tiver, mais bem-vindas serão, porque essas produções artificiais apenas destroem o que há de bom e delas eu já estou de saco cheio...

Okupa & Resiste!"

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Cena 4

QUERO

Ator 2. QUERO

Quero ter o que quero
e querer o devido pra meu corpo e espírito.
Prazer, só de gozar e não ter.
Este livro que amo, quero lê-lo contigo.
Este pão tem mais gosto
se é com alguém que o como.
Beber vinho é ridículo
sozinho.

Quero-te meu irmão, para o que der e vier.
Quero-te pra gozar e pra sofrer.
Como ousaria por a mão
no que é teu
se todo o nada é nosso?
E como podes desejar o meu
se o que foi feito (e tão pouco foi feito)
foi sofrido em comum
e é tão caro
e imperfeito?

Que ninguém nos dê ordens
porque os ordenamentos
foram por nós criados
no primeiro momento.

Que ninguém nos castigue.
Nascemos para ser para sempre felizes.
E a dor é a contingência
do corpo e do espírito
fragrância passageira
da flor do equilíbrio.

Eu não quero governo, eu não quero polícia.
Quero o acerto livre e o erro livre.
E quero ter o amor, se o tiver, sem disciplina.
E se o amor acabar que acabe aos gritos.
Abaixo para sempre
a mentira!



retirado de Colônia Cecília (Um pouco de Ideal e Polenta) - Teatro -, de Renata Pallotini.

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Coração Complexo


Ela, que era apenas uma borboleta, não tinha culpa de ter o coração assim: leve e flutuante como um balão; grande e espaçoso como um caminhão. Seu coração voava alto, ao sabor do vento, e junto com ela pousava com frequência sob as flores dos caminhos por onde passava, mas logo partia em busca de novos jardins. Se apaixonava com mesma facilidade com que suspiravam as maripousas. Cultivava por anos amores antigos, mesmo sem o mínimo de correspondência. Amores platônicos de cácto: cresciam e floresciam nas mais adversas ciscunstâncias do sertão do Ceará. Não raro dispensava colher as flores que mais gostava: para ela bastava estar mais perto, respirar o mesmo ar, dividir qualquer coisa, contemplar sua beleza e se deixar contemplar. As vezes mantinha a chama da paixão acesa por dois ou mais exemplares ao mesmo tempo. Não fazia distinção entre violetas e margaridas. Mas não que fosse fácil ganhar seu coração de inseto; muito pelo contrário. Não gostava de ser cortejada, tão pouco de sentir se como presa. Além do que, era preciso ter um algo a mais de misterioso, que nem ela mesma saberia dizer, para cativar sua paixão. Algo aparentemente insignificante, mas que fazia toda diferença. No mais, ela gostava mesmo era de descobrir flor por flor, como quem descobre um tesouro a muito guardado, ainda que singelo. Se encantava mais por uma boa conversa e atitudes singulares, do que por bonitas pétalas. Assim, se apaixonava por quem e quando menos se esperava. Se apaixonar era seu vício: sentia-se nas núvens; tudo se enchia cor, sabor divino, aroma de alecrím. Naquele tempo, não entendia como alguém podia existir sem estar apaixonad@. Devia ser no mínimo entediante e preto e branco, imaginava. (...) As flores por que se apaixonava, e mais uma ideia ou outra, era o que lhe conferia sentido à vida, que ela sabia, por si só, não possuir qualquer sentido.

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

eu vou te ligar de madrugada e te acordar,

porque eu não vou conseguir esperar pelo outro dia. Eu vou te sequestrar numa tarde ensolarada pra um lugar onde a gente nunca foi. E quando eu tiver de tpm eu não vou conseguir segurar o choro e vou chorar na tua frente, sem vergonha ou comedimento. Eu vou brigar quando eu quiser brigar. Vou demonstrar raiva, frustração e até ciúmes, se eu sentir. E tu vai ter vontade de fazer o mesmo. Eu vou te deixar se me der vontade e depois, se eu perceber que o teu abraço é o lugar em que eu quero estar, eu vou te ligar e te pedir pra voltar. E se tu se negar eu vou dizer que eu vou morrer, (e eu realmente vou achar isso). Mas quando eu já tiver com os olhos cansados de chorar, uma borboleta vai passar e roubar minha atenção e eu, distraida com ela, vou me esquecer de morrer e de sofrer por ti...

Vamos lá.

Está começando. Quer dizer, já começou a um tempo. Agora que eu te contei a história do meu amor por ti, desde que eu era o Miduin e tu, a minha menininha ruiva, tu já sabe pelo menos em parte quando tudo começou. Mas não é de amor platônico que eu tô falando. Eu tô falando desse amor de pele, carne, sangue, sêmem e suor, que também não é de hoje, mas só agora começam a aparecer os velhos sintomas... Daqui pra frente, eu já sei como vai ser. E eu tenho medo. Medo porque é algo meu que tu não conhece e conhecendo, pode não gostar. Só que eu também tenho coragem, então eu vou te mostrar, não agora com palavras, mas na prática cotidiana, mais cedo ou mais tarde, até eu ficar completamente nua pra ti... E mesmo que tu não goste eu sei que vai valer a pena. Eu tô falando da loucura que me acomete quando o amor entra em cena, chutando tudo que vê pela frente, quando a paixão vem a 180 por hora e me invade da superfície da pele à medula óssea. E é assim que eu sinto, "na pela, não no coração", e não só na pele...

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Beautiful Girl

De repente começou a tocar. Fazia tempo que não a ouvia e fui forçada a escuta-lá do ínicio ao fim - impossivel não lembrar de tudo. Cada palavra tinha uma tonelada de significado. A música veio e me levou pra longe; me roubou do presente pra me trazer pra um tempo que eu já não sei se ainda chame de passado. Um tempo que me livrou da falta de perspectivas, por que voltou a me trazer esperanças de um futuro vindouro, ainda que utópico. Um tempo fora do tempo. "Como flores que o vento não levará, porque não são daqui". Uma lembrança que, no mínimo, caiu como um anestésico para toda dor, tristeza, raiva ou melancolia. Já não tenho nenhuma certeza. Já não sei onde estou. Sou toda nostalgia da garota que fui um dia.

"She's so scared
So very frightened
Anything could happen
Right here tonight
she wanna go home

Beautiful girl
Stay with me
Beautiful girl
Stay with me
She wants to go home"

domingo, 15 de agosto de 2010

*Escrito em 27 de Junho de 2007, para C.H.M.L.

Aceitas, pequeno, o amor
que este é o meu melhor quinhão
Aceitas como de quem roubara uma flor
por não conseguir alcançar estrelas...

Até te amar era quase desprezivel
mas se me toca a alma a pétala do amor
então, como por encanto
se esvaem as sombras os espantos
povoa-me um bosque encantado
ressoa a ternura de uma cítara

Não há espaço pra mais nada,
pelos menos enquanto te amo.
Cantaria-te todas as músicas, mágicas, mantras
com a voz mais suave e branda
pra que meu canto afastaste os prantos
inevitáveis dessa tormenta.

Ainda que partas deixarás teu perfume
nas curvas dos dias que me restam
pois se muito além da saudade
ficará a noite, a lua, a tempestade

(E há Ventania, há Cutuvia, há Fantasia)

Aceitas, pequeno, o amor
antes que o amor tarde.

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Eu, Sísifo do Mar

Teve uma coisa sobre a qual eu nunca falei: a história da Lembrança, da Falta, da Atração, da Força, da Repulsa e de mim, Sísifo do Mar. É que antes eram flashs confusos e desconexos, mas agora se ligaram de forma coerente e lógica, de modo a ser possivel mesmo falar de. É assim: eu lembro, sinto a Falta, quero, quero, quero. Entra em ação a Atração irresistivel junto com a Força irrefreável. Então, intuo algo que desconheço: um monstro do pântano; algo pode acontecer. Uma explosão estelar, uma catatrofe cósmica, um curto circuito enquanto carrego o celular. Sinto medo. De perder o controle, de ser sugada pelo redemoinho, de me perder. Do que isso pode fazer de mim, do que eu posso fazer Disso. De tu se perder, do que isso pode fazer de ti, do que tu pode fazer Disso. Aí chega a Repulsa, irracional, histérica, absoluta. Então, eu afogo denovo esse barco e nado pra bem longe, nado até não ter mais forças. Quando penso estar a salva, ter chegado à calmaria, paro pra descançar. É quando dou por mim e percebo que as ondas já me trouxeram de volta pra beira de um buraco negro. Aí a Lembrança, a Falta, a Atração, a Força, a Repulsa, tudo de novo, e eu nadando até, e denovo e denovo, eu, Sísifo do Mar.

terça-feira, 10 de agosto de 2010

A Outra Pessoa

Ele olhou para o lado. Do lado havia Outra Pessoa. A Outra Pessoa o olhava com cuidadosos olhos castanhos. Os cuidadosos olhos castanhos eram mornos, levemente preocupados, um pouco expectantes. As transformações tinham-se tornado tão rápidas que, no primeiro momento, não soube dizer se a Outra Pessoa via a ele ou a Ela, se se dirigia à moldura, à casca, ao cristal ou ao desenho, ao corpo original, às gotas de sangue. Isso, num primeiro momento. Num segundo, teve certeza absoluta que se tinha desinvisibilizado. A Outra Pessoa olhava para uma coisa que era ele mesmo. Ele mesmo olhava para uma coisa que era Outra Pessoa. O coração dele batia, cheiro de sangue. Pousada sobre seu ombro, a mão da Outra Pessoa tinha veias cheias de sangue, latejando suaves.
Alguma coisa explodiu, partida em cacos. A partir de então, tudo ficou ainda mais complicado. E mais real.


- Caio Fernando Abreu.

terça-feira, 27 de julho de 2010

Injeção de realidade, sem anestésicos.

Chega a hora em que é preciso encarar os fatos. Vai ver que ele está certo mesmo em te esquecer, afinal você agiu escrotamente, foi vil, com toda vilesa que podia ser. E o melhor talvez seja mesmo se conformar e encarar a travessia. Colher o que tu plantou - não só, mas junto com outras mãos -, aceitar as consequencias das tuas escolhas, tentar crescer o quanto puder, sofrer o que for pra sofrer, mas sem deixar a amargura fazer casa aí dentro... vai passar.
Chega de ficar bolando planos mirabolantes pra reconquistá-lo, de criar novas teorias, fundar éticas autorais e anunciar o advento de valores que devam guiar a ação, só pra convencê-lo a lhe aceitar de volta, ainda que só como amigo...

É hora de encarar que você será apagada e que o melhor a fazer é apagá-lo também, por mais doloroso que possa ser e por mais que insista em sobreviver a esperança de ser como em Eternal Sunshine of the Spotless Mind: após o esquecimento completo um do outro, um encontro e tudo recomeça outra vez...

É melhor parar de acreditar em milagres, não dar vazão a imaginação e matar todas as esperanças, já que elas demoram a morrer sozinhas... Ir desde já se acostumando que provavelmente ele irá alimentar ódio imenso por você, que na verdade é o amor ao contrário, mas que mesmo assim o seu destino será o esquecimento ou a má lembrança. E que logo ele reaparecerá de mãos dadas com um novo amor, pra quem dará tudo o que podia ser teu, mas não foi ou nunca mais será. Vai doer e é bom estar preparada.

É bom também já ir se preocupando em criar vida nova, fazer outros laços, construir novas histórias, pra não definhar com essa dor. Dessa vez, fazendo pelo menos a sua parte, ainda que com a consciência sempre a incomodar de que o risco é alto. Grande é a probabilidade de fazerem contigo o que tu fez com ele. Mas aí é bom também aprender com os do outro, que é preciso deixar o terreno fértil e cultivar o que você queira: sinceridade, amor, companhia... Que é preciso deixar o outro em liberdade pra poder cobrar qualquer coisa, que fazer exigências sob ameças é também convardia, autoritarismo e violência disfarçada de liberdade. Mas saber que ainda assim haverá sempre a possibilidade de ser enganada, traída, o que não significa que não te amem. Então, saber lidar com a natureza da imperfeição humana e continuar, sem se aproveitar do erro do outro fazendo dele trapolim.

E o mais difícil: aceitar que talvez, na modernidade tardia pós alguma coisa seja assim mesmo. Os laços são tão provisórios como os cadastros das pessoas nos fotologs, blogs, twitters e formspring: cria-se uma página, usa-se, depois, quando enjoar, ela não lhe servir mais ou simplesmente começar a dar defeito, apaga-se ou abandona-se, em um só click ou nem isso, sem dor ou remorso. E talvez seja hora de você começar a ser assim também: deletar as pessoas da sua vida, como se faz no orkut, e aceitar com naturalidade também ser deletada da vida delas, mas sem esquecer de estar sempre add pessoas novas, porque afinal, "a fila anda", "solteira sim, sozinha nunca, né assim?!

terça-feira, 6 de julho de 2010

Conclusão Drástica - Vai Passar

O problema não é você. O problema sou eu mesma porque eu já não posso mais te amar. Não do jeito que eu gostaria, então eu prefiro nem. Esse amor doente, prefiro a abstinência, a falta, o vazio. Apesar de que a cura pode tá justamente no exercício, ainda que torto, do amor... Mas fora isso...

Antes eu te amava de uma forma tão boa, meu amor era lindo, leve como pluma leve. Forte como uma queda d'água. E profundo, até onde as palavras não conseguem alcançar. Agora eu tô cheia de paranóias, pés atrás, cismas e não me toques; não quero!

Quero aquele amor sadio, selvagem, virgem e bruto. Quero o amor de amor. Quero o meu amor de volta. Onde foi que a gente errou? Onde foi que eu o perdi? Deixei bolando por aí...?

...

"Todo pensamento vem e vai, todo sentimento se desfaz
Quando a vida não tem e você não corre atrás."


...

O que eu mais gostava acabou. E agora só ficou esse vício, essa abstinência.

Eu queria te dar todo meu coração, que era tudo que eu tinha. E eu dei, sabe. Mas eu acho que tu nem gostou, como eu previa. Ou gostou, mas ficou fazendo pouco, fazendo doce. Ficou vendo problema em tudo, rabugento que é. Amor-doente. Histeria. Isso acaba com o amor...

Eu quero um amor só de alegria. É isso mesmo. Ou que pelo menos, se for pra doer e sangrar, que seja por se entregar. Mas sei lá, de ti acho que falta essa entrega...
E eu odeio fazer cobranças. Não gosto de mim mesma quando faço isso, e eu prezo muito pelo que eu sinto por mim, então... Não me faça fazer isso porque eu não vou arriscar o meu amor por mim mesma por você.


Esse negócio de criar conflitos, de focar na falta, não dá pra mim. Quero tudo ter estrela flor estilo tua lingua em meu mamilo água e sal. Do jeito que der, do jeito que for. Arroz com feijão, que seja, mas seja! Deixa que eu seja eu e aceita o que seja seu, se você vier pro que der e vier comigo... Mas você não vem. É cheio de condições, pressopostos e desculpas. Eu não entendo, não entendo, não entendo! Nem sei se quero mais entender...

Eu gosto das coisas simples, às claras, diretas. Gosto do gosto da entrega, de pequenos exageros, de dividir qualquer besteira... E eu gosto do amor, se o amor existir. Do jeito que der, do jeito que for. Com mimimis, se o coração pedir. Eu não quero cara de nada, eu quero é cara de tudo. E quando me quiser Que seja de qualquer maneira...
...

"Me veja nos seus olhos
Na minha cara lavada
Me venha sem saber
Se sou fogo
Ou se sou água

Que tudo que ofereço
é meu calor, meu endereço

E quando me quiser
Que seja de qualquer maneira

E quando eu te encontrar
Meu grande amor
Me reconheça..."


...

Perdeu a graça. Admitamos. E mal havia começado... pelo menos pra mim. Eu sinto falta, sabe, entro em abstinência, mas quando busco, vou atrás, não encontro. Eu me apaixonei por um fantasmoa que na verdade era pura alucinação, e das pesadas, lisinérgicas. Acabou, o amor morreu, mas cá pra nós, antes ele do que eu. ;)

Bjosnãomeliga.

terça-feira, 15 de junho de 2010

Melancolia












a melancolia é uma dor
egoista
que nos rouba do mundo
pra ser só da gente

não cabe mais ninguém nela

é ser fechar no seu casulo
e fazer do seu umbigo o centro do mundo
se aconchegando na sua própria dor

a melancolia é comida, é cobertor


melancólia é dobrar-se sobre si mesmo
mesmo que não pare de olhar o mundo -
e o melancólico não pára -
ele olha, mas olha de cima
olha de fora
olha como quem desdenha do que
não lhe pode alcançar

e de fato nada pode nos alcançar enquanto nos protegemos do mundo nessa bolha, nesse casulo chamado melancolia

é vão o amor, a fome, a morte
tudo parece histérico e dramático
na frente dessa dor

porque muito maior que o mundo é a melancolia, quando é na gente a melancolia

na melancolia cabe o mundo
se ela quisesse caber
se ela precisasse do mundo
a melancolia não precisa

ela não grita nem anseia,
se basta
começa e termina nela mesma
reinando altiva sobre si
e tudo o mais, resto

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Como se a alegria recolhesse a mão pra não me alcançar.

sexta-feira, 28 de maio de 2010

Mais um fracasso


Primeiro uma ansiedade incontrolável toma conta de mim. Minha cabeça não pára, como se eu tivesse tomado café, ou cheirado pó. Aí dá aquele frio na barriga, aquele arrepio que percorre a espinha, sinto todas borboletas que moram no meu estômago voando e tremo toda. Hesito por alguns instantes, penso em ir embora, me esquivar do encontro, fugir sem nem avisar - histeria pura! - mas logo me recomponho e sigo em frente, sem pensar 3 vezes. Nos encontramos. A princípio fico assim meio sem jeito e tu, que tem sempre tanto assunto, fica meio mudo. Até que tudo vai se tornando familiar, como se a gente se conheceçe a muito tempo e ao mesmo tempo tivesse tanto a descobrir. Os próximos momentos fluem como uma dança bem ensaiada, mas que na verdade é puro improviso e é justamente aí que tá toda a graça. Enquanto não acaba, os ponteiros do relógio continuam se movendo em torno do mesmo eixo, assim como a terra continua girando ao redor do sol. Alguém em algum lugar nasce, alguém em algum lugar morre. Alguém chora, alguém goza, alguém briga. O engarrafamento continua existindo, assim como os sons de buzina e todos os outros da cidade. Mas a gente parece que entra numa nave transparente, sem teto, chão ou parede. E sobe até o céu, por entre núvens, lua e estrelas. Então, tudo desaparece: buzina, engarragamento, parto, briga, choro, relógio... Eu fico me perguntando se tu sente a mesma coisa que eu: essa lombra, essa embriagez... Parece que eu viro nunvem quando tô contigo. Até que chega a hora da partida - ou da chegada - eu já nem sei... A gente vai voltando aos poucos pro mundo lá em baixo, pras buzinas, pros engarrafamentos. A gente se deixa sem cerimônias e sem apego; cada um vai pro seu lado, sem drama. Nada dói. Porque é como se a gente fosse com um pouquinho um do outro. Na verdade um muito; eu diria um tudo. É como se ao invés de eu ter te deixado, eu tivesse te absorvido e assim me simto plena. Impera uma sensação de completude. Me sinto preenchida dentro de mim mesma. No caminho de volta eu fico degustando cada lembrança como se fosse concreta. E todas as palavras se tornam insuficientes pra descrever o que aconteceu comigo nesse intervalo absurdo de tempo, fazendo dessa e todas as outras tentavivas de relato um fracasso patético.